Informática
Milagre Robene Albino
O pensamento de Michel Foucault pareceu-me um dos mais importantes para a compreensão de saberes que orientam a atualização dos mecanismos históricos de sujeição dos indivíduos nas transformações que as sociedades vivem neste final de século.
Em Vigiar e Punir, Foucault (1987) define os mecanismos de sujeição do corpo como uma tecnologia. Nesta obra o filósofo-historiador analisa uma história política do corpo, com o objetivo de mostrar que o corpo está sempre sujeito à uma utilização econômica que torna possível seu funcionamento como força de trabalho. Há um saber sobre o corpo e um controle sobre suas forças. Estes constituem o que ele chama de tecnologia política do corpo. (Foucault, 1987: 26 )
Meu objetivo é fazer uma primeira aproximação a essa questão, mostrando como as tecnologias políticas do corpo estão articuladas com novos dispositivos de controle. É de conhecimento público a importância do desenvolvimento da área tecnológica de informática e comunicação. Doravante tratarei o conjunto dessas tecnologias apenas por informática. O uso da informática se disseminou em todos tipos de atividades nas últimas décadas, ocorrendo uma grande aceleração desse uso nos anos noventa. A hipótese que desejo investigar é que essa quase onipresença da informática também levou à criação de novos dispositivos de controle, no sentido apontado por Foucault.
Este trabalho é um esforço para interpretar a discursividade própria à informática, tentando utilizar a mesma metodologia que Foucault usou para analisar os mecanismos disciplinares e o surgimento das instituições que operavam estes mecanismos em outras épocas. Tentarei apontar alguns mecanismos de sujeição, e por isso de poder, tornados operacionais pelas tecnologias contemporâneas de informação.
O desdobramento dessa investigação poderá analisar e apresentar saberes que estão sendo desqualificados e dominados pelo discurso científico, universal e uniformizante que ocorre na informática.
II
Contemporâneos de Foucault também realizaram análises do poder. Deleuze é um filósofo muito próximo de Foucault por inúmeros motivos, inclusive com relação aos temas e aos métodos. Assim, nos escritos de Deleuze aparece continuamente a problemática dos mecanismos de controle dos indivíduos:
Tínhamos também, possivelmente uma concepção comum de filosofia. Não possuíamos o gosto pelas abstrações, o Uno, o Todo, a Razão, o Sujeito. Nossa tarefa era analisar estados mistos, agenciamentos, aquilo que Foucault chamava de dispositivos. Era preciso não remontar os pontos, mas seguir e desemaranhar as linhas: uma cartografia, que implicava numa microanálise (o que Foucault chamava de microfísica do poder e Guattari, micropolítica do desejo). (Deleuze, 1992: 109)
Deleuze continuou a investigar a questão do poder depois da morte de Foucault. Analisando o que acontecia com o desenvolvimento técnico na década de oitenta, Deleuze afirmou que as novas tecnologias de informação que surgiam eram na verdade novos mecanismos de controle. (Deleuze, 1999: 5-6). As máquinas propriamente ditas "não explicam nada, é preciso analisar os agenciamentos dos quais elas são apenas uma parte" (Deleuze, 1992: 216).
Os mecanismos de uma nova tecnologia política do corpo, apontados por Deleuze, aparecem em algumas entrevistas transcritas no seu livro Conversações. Neste livro, Deleuze mostra como Foucault havia situado as sociedades disciplinares nós séculos XVIII e XIX, atingindo seu apogeu no início do século XX. Estas haviam sucedido as sociedades de soberania.
Foucault também sabia da brevidade desse modelo ... As disciplinas, também por sua vez conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se instalam lentamente e que se precipitariam depois da Segunda Guerra Mundial: sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser. ... São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades de controle. (Deleuze, 1992: 219-220)
É possível seguir os passos de Foucault para fazer a investigação de acontecimentos tão recentes? Ou seja, fazer uma genealogia do presente? Vários problemas se colocam à essa pergunta. Um deles é que não estou preparado para respondê-la, pois meu conhecimento de Foucault não é suficiente nem para eu saber localizar escritos do autor que trate desta questão, dentro do tempo delimitado para a realização deste trabalho. O segundo é que o assunto investigado está relativamente distante daquele estudado no curso. Neste lemos vários textos de Foucault do livro organizado por Roberto Machado, Em "Genealogia e Poder" (Foucault, 1984). Foucault analisa que algumas mudanças que ocorreram naqueles anos com a crítica, gerando um deslocamento do caráter das investigações, o que produziu o que ele chama de insurreição dos saberes dominados. Ele entendia os saberes dominados como duas coisas:
Os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais" e "uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou insuficientemente elaborados. (Foucault, 1984: 170)
Foucault procura fazer a constituição e ativação desses saberes históricos, através de uma tática que ele chama de genealogia. Esta é:
O acoplamento do conhecimento com as memórias locais, que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização desse saber nas táticas atuais. ... Trata-se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretende depurá-los, hieraquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome de uma ciência detida por alguns. (Foucault, 1984: 171)
Mantendo ainda a pergunta: é legítimo utilizar uma metodologia elaborada para pesquisas históricas para desvelar acontecimentos hodiernos? Isto deve ser investigado antes de tudo, porque uma das características dos saberes elaborados no entremeio das novas tecnologias é que eles são voláteis, efêmeros e não estão sedimentados. Há uma constante aceleração na produção de conhecimentos e técnicas, os quais vão ficando imediatamente obsoletos à medida que os novos vão surgindo. Mesmo esses tipos de dispositivos podem ser identificados, desvelados e compreendidos a partir da tática da genealogia? Para tentar responder a isso recorro novamente a Deleuze que afirma:
A arqueologia, a genealogia, são igualmente uma genealogia. A arqueologia não é necessariamente o passado. Há uma arqueologia do presente; de certa maneira ela está sempre no presente. A arqueologia é o arquivo, e o arquivo tem duas partes: audio-visual. A lição de gramática e a lição das coisas. Não se trata das palavras e das coisas. (o livro de Foucault só tem esse nome por ironia). É preciso extrair as coisas para extrair delas as visibilidades. E a visibilidade de uma época é o regime de luz, e as cintilações, os reflexos, os clarões que se produzem no contato da luz com as coisas. Do mesmo modo é preciso rachar as palavras ou as frases para delas extrair os enunciados. E o enunciável numa época é o regime da linguagem, e as variações inerentes pelas quais ele não cessa de passar, saltando de um sistema homogêneo a outro (a língua está sempre em desequilíbrio) O grande princípio histórico de Foucault é: toda formação histórica diz tudo o que pode dizer, e vê tudo que pode ver. (Deleuze, 1992: 120-121)
A genealogia do presente parece então possível. Como e onde localizar então os acontecimentos ligados à tecnologia que eu cite?. Como torná-los visíveis? Como afirmei, estes acontecimentos se esvanecem carregados pelo presente. Entretanto pressentimos que novas forças operam as novas práticas e relações de poder, ainda que persistam as disciplinas ou as adaptações das disciplinas. Ainda não podemos ver instituições formais sendo estabelecidas, como no passado foram criados os hospitais e as prisões. Os novos dispositivos possuem apenas uma parcela mínima de materialidade. Não necessitam de construções específicas e dedicadas. As tecnologias de informação estão sendo instaladas no interior de todos os espaços preexistentes a elas.
Os novos mecanismos de controle estão sendo estabelecidos através da junção da ciência e da técnica, junção que forma o saber qualificado e dominante do fim do século: tecno-ciências. Além disso, saber qualificado hoje também significa reconhecido pelo mercado. No entanto, como Foucault (1984: 174-175) procurou mostrar, a análise do poder não pode ser deduzida unicamente da economia. Por isso não seguirei esse caminho.
Dessa forma a análise do que é o poder dessas novas forças deve ser genealógica. Para Foucault, a arqueologia é o método próprio à análise da genealogia da discursividade local (no caso o discurso da tecno-ciência informática). Sendo "a genealogia a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da sujeição que emergem dessa discursividade". (Foucault, 1984: 173)
A seguir tentarei fazer um exercício de análise da discursividade local da informática, através textos próprios desta área técnica, buscando extrair de suas palavras seus enunciados.
III
A Informática possui um conjunto de linguagens inerente a essa tecnologia. São linguagens que possuem os mais variados tipos de signos. Nas linguagens de programação constitutivas da informática são usadas palavras (geralmente da língua inglesa) que não remetem a nenhuma coisa do mundo natural. São palavras referentes às funções internas da linguagem. Estas funções não são apenas funções matemáticas, pois podem comandar ações eletro-mecânicas dentro da própria máquina ou em outros objetos que de alguma forma se comunicam com a máquina.
Um discurso no interior do campo científico ou operacional da informática é uma linguagem cifrada para um leitor leigo na área, pois não se refere a nada familiar a ele. Para o leigo, muitas vezes não é possível saber sobre o que, para que, e para quem o texto está falando. Além de usar as linguagens de programação, os técnicos de informática possuem uma linguagem descritiva própria à esta tecnologia (jargão), que utiliza muitas palavras da linguagem interna da máquina, fazendo com que a escrita dos técnicos pareça muitas vezes uma linguagem sem "vida" e sem significado, enfim, neutra. O parágrafo a seguir dá uma demonstração deste tipo de linguagem:
Uma das características principais das linguagens para programação em lógica é sua semântica declarativa. A idéia por trás dessa semântica é que existe uma maneira de determinar o significado de cada declaração que não depende de como a declaração seria usada para resolver o problema. Isto é, o significado determina uma dada proposição num programa é determinado a partir da própria proposição, enquanto que, em Iinguagens imperativas a semântica de um comando requer informações que não estão contidas ou não estão explicitadas no comando. Por exemplo o conhecimento das regras de escopo para as variáveis é necessário para se entender o significado de determinado comando em um programa escrito numa linguagem procedural. (Valente, 1993: 52)
O texto acima se refere a um modelo de linguagem de programação de computadores. Mesmo deslocado de seu contexto, acredito que ele deve ser de difícil entendimento para os leitores sem formação em informática. Menos ainda para os pedagogos e professores a quem o livro se destina.
Uma importante característica das tecnologias de informação é que suas linguagens se referem às funções internas, ou seja, a si mesmas. São palavras que remetem a apenas um exato procedimento ou definição. Ao contrário da língua, cujas palavras são polissêmicas, o vocabulário técnico parece ter um único sentido. Seriam realmente linguagens neutras? Isto remete também à questão da neutralidade da técnica. A seguir procurarei mostrar que essa discursividade não é neutra mas tem uma função.
À primeira vista alguns textos técnicos podem conseguir representar uma característica de neutralidade, mas a não neutralidade desses dispositivos aparece mais claramente em textos de divulgação desta mesma técnica, como o seguinte:
Os computadores antigos eram impraticáveis. Ocupavam muito espaço, custavam uma pequena fortuna e não executavam muitas funções úteis. Assim como os dinossauros – grandes, pesados e não muito brilhantes – os computadores eram mais adequados à ficção científica do que a lares e escritórios. ... Todos os computadores necessitam de hardware e software para funcionar. O hardware fornece a base e o software, a informação. Imagine o software como o cérebro e o hardware como os músculos. (Weixel, 1995: 13)
No texto acima a áurea de neutralidade e unicidade de significado se perde. As palavras que descrevem o funcionamento do computador podem parecer ingenuamente informativas. No entanto, levam à distintas interpretações e ao desvelamento de sentidos encobertos.
A história da técnica permite identificar também flagrantes incorreções no texto. Para isso, veja Breton (1991). Os antigos computadores não eram impraticáveis, nem inúteis, muito menos peças de ficção científica. Os primeiros computadores surgiram depois da Segunda Guerra Mundial, como conseqüência de projetos ousados e muito investimento. Eram perfeitamente funcionais na sua época, permitindo resolver problemas teóricos e práticos insolúveis até então, devido a quantidade de cálculos envolvidos. Entre esses cálculos estavam os necessários para definir a trajetória de uma aeronave em uma futura viagem para a lua. Assim como a ciência daquela época era naturalmente considerada a mais evoluída, o maior refinamento alcançado no conhecimento até então, aqueles computadores vistos como "dinossauros" no texto anterior, eram as mais complexas máquinas construídas até então pelo homem. Da mesma forma, as técnicas e as ciências de cada uma das décadas seguintes também eram considerados os saberes mais qualificados e verdadeiros da época. Estes saberes são tidos como obsoletos e considerados inaceitáveis para os padrões tecnológicos de hoje.
O discurso da obsolescência produz um novo tipo de controle sobre os indivíduos que se sentem muitas vezes incompetentes em relação à velocidade de atualização necessária para estarem preparados para se comunicar para trabalhar com as máquinas. Como os indivíduos não podem se transformar com a mesma velocidade das máquinas de informação contemporâneas, eles sofrem um novo tipo de sujeição, podendo ser controlados através delas.
A comparação entre o computador e o homem que aparece no texto remete à questão da relação homem-máquina, um dos pontos centrais dos dispositivos que são objetos desta análise. A relação homem-máquina vem mudando muito desde a época do surgimento dos primeiros computadores.
O computador transformou a definição de máquina, que era vista até então um artefato mecânico para um dispositivo que trabalha com informação. O computador é o exemplo típico dessas novas máquinas que utilizam pouca energia e muita informação. A capacidade de manipulação de informação é que criou uma analogia do computador e o cérebro. No entanto essa analogia é apenas uma metáfora, pois o funcionamento do cérebro ainda é muito pouco conhecido e certamente bem distinto do computador. O computador é digital e o cérebro analógico. Essa metáfora é citada em no texto anterior de divulgação da informática como algo inocentemente didático. No entanto, importantes saberes que se constituem nos nossos dias nascem exatamente desta metáfora, como por exemplo, a Ciência Cognitiva e a Neurociência (Sfez, 1994).
Os saberes tecnológicos realizam discursos apologéticos da técnica e se apregoam com uma promessa de redenção do esforço e do sofrimento humano. Depois a Internet os computadores foram apresentada dessa forma:
A Internet é um conjunto de centenas de redes de computadores que servem a milhões de pessoas em todo o mundo. ... Seus usuários são imensamente diversificados – educadores, bibliotecários, empresários e aficionados por computador, só para enumerar alguns tipos. E isso se deve a inúmeras razões, que vão desde a simples comunicação interpessoal ao acesso a informações e recursos de valor inestimável. Para ter uma idéia do que a Internet é capaz de oferecer, imagine um sistema rodoviário que diminui em horas a distância entre duas cidades. Ou uma biblioteca que poderia ser consultada a qualquer hora do dia ou da noite, com milhões de livros e recursos disponíveis. Ou quem sabe, uma festa ininterrupta, com pessoas para recebê-lo a qualquer momento. (Tracy e Ryer, 1994: I)
Na verdade, antes de ser a festa sugerida, as novas tecnologias também significam um processo de rompimento com o modo de produção estabelecido, cujas bases estão no uso da força de trabalho humana. A destruição do trabalho se dá com o uso intensivo de informática na produção que se torna cada vez mais automatizada. E o homem é liberado algo que não está preparado, tanto por não possuir mais as formas tradicionais de renda, como por não saber viver sem um tipo de trabalho que lhe dava sentido na vida.
Toda nova tecnologia cria seus excluídos. (Lévy, 1999: 237). Com essa afirmação, o filósofo francês não está atacando a tecnologia. Ele quer lembrar que antes dos telefones não haviam pessoas sem telefone, da mesma forma que antes da invenção da técnica da escrita não havia analfabetos. A escrita gerou e gera até hoje milhões de excluídos, mas nunca foi considerada um flagelo. Segundo Lévy (1999), o fato de haver analfabetos ou pessoas sem telefone, não nos leva a condenar a escrita ou as telecomunicações. Porque seria diferente com os computadores?
O fato é que a interligação dos computadores acabou formando a rede Internet, processo que cresceu geometricamente a partir de meados desta década. A soma dessa rede e dos saberes que se estabelecem a partir dela constitui um novo dispositivo de poder, à medida que qualquer comunicação qualificada passa a acontecer nesse meio e nas linguagens compatíveis com a rede. Isso não é novo: há vinte anos atrás Jean-Françoes Lyotard fazia a previsão que aqueles saberes que se dão fora das linguagens do computador seriam desqualificados e abandonados. (Lyotard, 1993: 4).
Os novos saberes da tecnociência soam também como a possibilidade de organizar os espaços privados e públicos - que por sinal estão em processo de desagregação - oferecendo novas formas de controle. Como procurei mostrar, possuem ainda um regime de linguagem que esconde nas suas palavras a presença dessas novas formas de controle. É no interior desses discursos que devemos procurar o que está sendo enunciado com relação a essas novas forças.
O projeto da casa a ser construída pelo maior empresário da área de informática do mundo possui um sistema de total acompanhamento de quem está dentro. Ele vê esse sistema como a produção de comodidades. Mas também pode-se ler na descrição do projeto um sistema de controle que foi apenas imaginado na ficção científica mais elaborada.
Quando parar seu carro na área semicircular em frente à porta principal, verá pouco da casa. É porque você vai estar entrando pelo andar de cima. Ao entrar, receberá um crachá eletrônico para prender na roupa. Esse crachá vai conectá-lo aos serviços eletrônicos da casa.... O crachá eletrônico que você vai usar dirá à casa quem você é e onde se encontra. A casa vai usar tais informações para tentar satisfazer e até prever suas necessidades - tudo da maneira menos invasiva possível. ... Algum dia, no lugar do crachá, talvez seja possível ser identificado à partir de uma câmera com capacidade para reconhecimento de imagem.
Uma casa que monitora seus ocupantes de forma a satisfazer suas necessidades específicas alia duas tradições. A primeira é a do serviço não invasivo, a outra é que um objeto que carregamos nos dá a prerrogativa de determinado tratamento. Você já se acostumou com a idéia de que um objeto pode lhe dar uma autenticação. Ela pode informar as pessoas ou as máquinas de que você tem permissão para fazer algo, como abrir uma porta trancada, embarcar num avião ou usar uma linha de crédito específico. ...
A casa será equipada para registrar estatísticas das operações de todos os sistemas, de forma que poderemos analisas essa informação e regulá-los. Quando estivermos todos na estrada da informação [a super rede que sucederá a Internet], o mesmo tipo de equipamento será usado para contar e monitorar todo tipo de coisa, e as estatísticas serão usadas para quem se interessar. (Gates, 1995: 269-277).
Há importantes pensadores contemporâneos que analizam a problemática da informática. Os conhecidos críticos franceses Jean Baudrillard e Paul Virilio vêm a informática como um dos grandes males que infringiram a sociedade neste fim de século. Mais moderado, Arlindo Machado é um crítico brasileiro que analisa o problema sem ser um tecnófobo como os primeiros.
Em "Máquinas de Vigiar", Arlindo Machado analisa os dispositivos eletrônicos de vigilância, a partir do projeto do Panóptico de Benthan, descrito por Foucault. Segundo ele, "esses dispositivos generalizam por toda a sociedade métodos de coerção nascidos no interior de presídios, ou antes utilizados apenas localizadamente, na investigação ou repressão policial". (Machado, 1993: 224).
Neste artigo, Arlindo Machado centra-se principalmente na investigação da vigilância pela visão, como por exemplo a proliferação das câmeras de televisão, analisando menos o potencial da informática nessa tarefa, exceto em algumas rápidas passagens. Essa análise se diferencia muito da compreensão que o controle hoje opera muito mais pelas informações, que como acredita Deleuze, são mais palavras de ordem que orientam o indivíduo, do que os sistemas de vigilância baseados na visão. Enquanto nos sistemas de vigilância baseados na visão o mais importante é o indivíduo se sentir vigiado, nos sistemas de controle por informação o indivíduo não sabe que é controlado.
Há hoje uma grande pressão para que as pessoas se instruam de forma continuada nas suas casas e nos seus locais de trabalho. Nas universidades ocorre uma apologia dessa educação continuada, que permitiria aumentar o número de alunos nessas instituições e os atualizariam para o mercado de trabalho. À primeira vista isso parece bastante meritório pois a educação continuada poderia levar a educação àquelas pessoas que, afastados dos centros onde estão as melhores escolas e universidades, necessitam se aprimorar para manter-se atualizadas para o trabalho. No entanto, outra é a visão de Deleuze:
Assim como a empresa substituiu a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. ...
Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira. (Deleuze, 1992: 221 2 226).
Em consonância com a educação a distância, há também um grande esforço nas universidades para o estabelecimento da prática de cursos a distância. O interesse na educação a distância foi reforçado à partir das facilidades trazidas pela computação e principalmente pela Internet. O discurso advindo da informática passa a permear também essa forma de educação.
Um ambiente informatizado de educação a distância permite um controle muito grande sobre o aluno. Este pode entrar nesse ambiente na hora que quiser, com o uso do seu computador e do modem, através da linha telefônica. Liberdade de horário para aprender que seria louvável, caso não existisse um formidável sistema de controle. O aluno é monitorado no exato momento que entra no sistema e tudo que ele faz é registrado até sua saída. Esse tipo de sistema guarda todas as informações e permite gerar estatísticas e gráficos sobre o comportamento e a performance do aluno, inclusive as eventuais comunicações com os colegas e o professor. Nem Foucault nem Deleuze puderam conhecer tamanha capacidade operacional de vigilância e controle.
IV
Uma análise destes novos dispositivos mostrarão que eles não têm uma força onipresente e onipotente, não controlam todos os espaços nem sujeitam todos os corpos, como é a idéia do panoptismo, estudada por Foucault. Pelo contrário, da mesma forma que Foucault mostrou que em todas as épocas existiram outros saberes paralelos aos saberes tidos como qualificados, existem também hoje saberes que estão sendo "sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais" (Foucault, 1984: 170). Hoje todos nós incluídos no sistema usarmos crachás e cartões eletrônicos que, como afirma Deleuze, são uma espécie de coleira eletrônica. No entanto, é possível notar que nos entremeios, nos subterrâneos dessas tecnologias, fervilham forças de resistência que produzem "uma série de saberes são qualificados como não competentes ou insuficientes elaborados" (Foucault, 1984: 170), ou que utilizam os saberes competentes de uma forma não esperada ou desejada.
Dessa forma, não é negando as novas tecnologias - ou se isolando delas - que se pode lutar contra essas novas forças dominadoras: pois onde há força de opressão há resistência. É preciso então um esforço para localizar e para utilizar os saberes das lutas de resistência nas táticas contra a dominação.
Bibliografia
Breton, Philippe, A história da Informática, São Paulo: Editora Unesp, 1991
Deleuze, G. O ato da criação, Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de junho de 1999, caderno Mais
Deleuze, G., Conversações, Rio de Janeiro: Ed.34 , 1992
Foucault M., Vigiar e Punir, Petrópolis: Vozes, 1987
Foucault, M. Microfísica do poder, Rio de janeiro: Edições Graal, 1984
Gates, Bill. A estrada do futuro, São Paulo: Companhia das Letras, 1995
Laquey Tracy e Ryer, Jeanne , O Manual da Internet, Rio de Janeiro: Campus, 1994
Lévy, Pierre, Cibercultura, São Paulo: Ed.34, 1999
Lyotard. J.F, O pós-moderno, Rio de Janeiro: Jóse Olympio, 1993
Machado, Arlindo. Máquinas de Vigiar IN: Máquina e Imaginário, São Paulo: EDUSP, 1993
Sfez, Lucien, Crítica da Comunicação, São Paulo: Loyola, 1994
Valente, J.Ar. Computadores e conhecimento, Campinas: Gráfica Central da Unicamp, 1993
Weixel, S. Como usar o PC, Rio de Janeiro: Campus, 1995